No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da sexta temporada, Sara conversa com o arquiteto Fernando Coelho, do escritório FCC Arquitectura, sobre o projeto do Hotel Rural Monverde localizado em Quinta da Lixa. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: O projecto sobre o qual vamos estar à conversa hoje situa-se na Quinta da Lixa, quinta essa que se desenvolve numa exploração vinícola, que produz vinho verde que é característico dessa região. Sei que, no início, este projecto não era para ser um hotel. Há uma história muito interessante que eu gostava que o Fernando partilhasse com os nossos ouvintes.
Fernando Coelho: Sim, é verdade. Na altura quando o Óscar Meireles nos contactou era para fazer uma casa para amigos, como eles diziam. A Quinta da Lixa, há mais ou menos oito ou nove anos, estava a começar a fazer exportação, tinha uma grande dificuldade em arranjar sítio onde os clientes estrangeiros pudessem ficar e tinham aquela propriedade que era uma propriedade só de produção. Existiam algumas pré-existências, todas em ruínas, e aquilo que me propuseram, na altura, era reconstruir só algumas casinhas para que quando os clientes cá chegassem ficassem lá e não tivessem de ir para hotéis e essas coisas... E fora um bocadinho daqui do circuito de Felgueiras e Lixa.
SN: Por acaso, o Fernando quando me contou essa história até me contou que muitas vezes os clientes tinham de ir para o Porto, não é?
FC: Exacto.
SN: Que era uma desvantagem para eles, não é?
FC: Exactamente. Então, quando eu cheguei ao local – eu não conhecia o local – achei que aquele local tinha uma potencialidade incrível para se fazer mais do que isso. E na altura sem... normalmente não se deve fazer, mas... sem autorização do promotor eu fiz um estúdio prévio para um hotel, um hotel que seria – e foi – o primeiro hotel ligado ao vinho verde. Foi gira essa história porque, na altura, um dos sócios – eles eram três sócios – agarrou aquela ideia como modelo também e achou fantástica. Infelizmente, no meio desta história, há uma história um bocadinho mais triste de que esse sócio não chegou a ver o projecto realizado, mas foi muito engraçado porque a casa de amigos transformou-se num hotel.
SN: Para mais amigos, não é?
FC: Exactamente! Houve uma primeira fase, já há uma segunda fase e agora vai haver uma terceira fase, por isso aquele meu compromisso também com eles – e que também foi um bocadinho aventureiro da minha parte propor isso – correu muito bem. E está de vento em popa!
SN: E perguntava-lhe agora porque fiquei com curiosidade: era o seu primeiro hotel, Fernando?
FC: Era o meu primeiro hotel. (risos)
SN: (risos) Então foi uma dupla aventura, ou seja o Fernando não tinha qualquer tipo de experiência e ainda por cima eles não lhe tinham pedido isso.
FC: São engraçadas essas coisas...
SN: A importância de arriscar, não é?
FC: Sim. E também é engraçado um bocadinho esta coisa da arquitectura e das histórias que estão inerentes a cada projecto. É uma coisa muito interessante porque às vezes digo que cada projecto quase dava um livro. Há histórias realmente muito interessantes. Depois há a interacção entre o cliente e o técnico. Há também toda a parte de empreiteiro, toda a parte de obra, as dificuldades... É realmente uma coisa... A arquitectura tem isto também. Muitas vezes as pessoas não contam estas histórias. Eu acho que também são muito importantes até, por exemplo, por ser o meu primeiro hotel. Eu tive de fazer umas viagens de estudo e a minha esposa ficou toda contente porque conhecemos mais hotéis.
SN: Olhe, adivinhou a minha segunda pergunta! A minha segunda pergunta era se as viagens de alguma forma influenciaram este projecto. E já percebi que, até intencionalmente, fez determinadas viagens para estes projectos.
FC: Sim porque, lá está, quando a minha proposta foi fazer o primeiro hotel ligado ao vinho, eu tinha de perceber o que é que no mundo inteiro se estava a fazer.
SN: Para onde é que foi?
FC: Para aquela parte do La Rioja, para os projectos do Norman Foster, do Calatrava, do Frank Gehry... Todos esses projectos eu visitei-os um bocadinho “à português”. [Do género], chegar lá e fazer de conta [que não se conhece], com um ar muito surpreendido por tudo, entrar mesmo naquelas zonas proibidas e começar a arranjar conversas com os funcionários para conseguir entrar nas zonas que nunca ninguém vai para perceber como é que aquilo funciona.
SN: O Fernando é dos meus! (risos)
FC: (risos) Tem de ser para depois não fazer asneiras, não é?
SN: Ou seja, não visitou só o local, tentou também perceber junto das pessoas a experiência das coisas [para ver] como é que funcionavam.
FC: Sim. Fiz isso, fiz Bordéus, fiz ali uma série de jornadas para conseguir também fazer depois aquilo que saiu.
SN: E o que é que foi aprendendo? Consegue destacar alguma coisa que nessas viagens foi aprendendo?
FC: Todos os hotéis estão elencados a uma marca, não é? Mas depois o que têm de interessante e aquilo que eu reparei – que foi aquilo que nós tentámos também introduzir aqui no Monverde – foi um bocadinho a característica de cada local, quase como uma casta. Funciona quase como uma casta. Só existe aquilo ali. Não existe aquilo em mais lado nenhum e essa foi a experiência que eu tive, que eu experienciei, no fundo, nas minhas visitas. Foi isso que eu tentei passar ali para o Monverde. Eu acho que conseguimos de forma positiva porque o feedback que eu tenho das pessoas depois destes anos – ele já está aberto há seis ou cinco anos, acho eu – é que está numa zona muito pouco característica. À volta é tudo muito rural, mas é um rural muito pouco característico. Quer dizer, não há nada ali que se diga: “Que sítio fantástico a nível paisagístico!” É fantástico só no interior.
SN: Quando se entra, não é?
FC: E é isso que têm dito as pessoas. Quando entram, as pessoas sentem-se noutro mundo.
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Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quinta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Alejandro Aravena
- Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez
- Tiago Rebelo de Andrade
- Marta Brandão e Mário Sousa
- Luís Tavares Pereira e Guiomar Rosa
- Francisco Aires Mateus
- Paulo Moreira
- Andreia Garcia
- Fátima Fernandes
- Helena Vieira e Pedro Ferreira
- aNC arquitectos
- Branco del Río, Arquitectos
- Ana Aragão
- fala atelier
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.